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O que é a dimensão humana da Vida?

O filósofo francês René Descartes (1596 – 1650) pronunciou uma frase que ficou famosa e que foi distorcida com o passar do tempo: “Penso, logo sou” (“Cogito ergo sum”, do verbo latino “esse”, que significa prioritariamente “ser”, e não “existir”). Ou seja, aquilo que É comanda o pensamento. Assim, colocava o Ser acima do pensamento.

Descartes era considerado um filósofo idealista: a Ideia (mundo do Ser) ilumina o pensamento, dando origem à razão. Com o tempo, a tendência que predominou no iluminismo e continua prevalecendo no mundo atual distorceu essa frase, transformando-a em: “Penso, logo existo”, condicionando a existência ao pensamento, numa espécie de culto ao racionalismo empírico, predominante na metodologia científica atual.

No entanto, como esta corrente de pensamento não pôde ignorar a existência, também, dos sentimentos, da energia vital (disposição para agir, para adquirir propriedades, riquezas etc) e das necessidades biológicas (instintos de sobrevivência e procriação), a pergunta “Quem sou?” ganhou um grau alto de complexidade.

São várias as alternativas de resposta: sou aquele que pensa ou a minha identidade é o próprio pensamento? Ou sou aquele que sente? Sou aquele que vibra, com disposição e confiança em si mesmo, porque possuo propriedades e riquezas? Sou os meus instintos e paixões, ponto de onde partiu J.J. Rousseau (1712-1778), no “Século da Luz”, para criar suas teorias do “Bom Selvagem” e do “Contrato Social”?

Nesta quarentena, de dentro de nossas casas e contemplando desde nossas janelas, tomamos consciência deste conflito dentro de nós mesmos e entre as várias correntes de opinião dos dirigentes de nossa sociedade. O que devemos atender primeiro? A saúde física, a econômica, a psicológica ou a mental?

Na nossa solidão, distantes da rotina diária que mantém o nosso tempo preenchido e o coração vazio, numa espécie de “terapia ocupacional” que nos desvia do essencial, podemos tomar consciência de que esse conflito não é somente de nossos dirigentes; eles se tornam evidentes aí, mas estão dentro de nós mesmos. Sentimos medo de perder a vida física, devido ao vírus; sentimos medo de não dispor de alimentos; sentimos angústia e desespero por estarmos fechados dentro de casa com o coração vazio; sentimo-nos confusos com pensamentos circulares, alimentados constantemente com notícias mórbidas.

Seria a dimensão humana da Vida isso, algo sem sentido, “suportável” somente, e do qual fugimos mantendo-nos sempre ocupados com atividades de lazer ou produtivas?

Não suportamos a solidão porque não conseguimos identificar nada válido em nós mesmos, quando estamos afastados da mecanicidade cotidiana. Não temos consciência dessa autêntica dimensão humana da Vida, que é eterna, infinita, livre (não condicionada). Foi o grande dilema vivido por Alexander Soljenítsin que, sendo um ativo integrante do exército vermelho, viu-se, de repente, numa minúscula prisão por vários anos.

Nesta condição adversa, logrou elevados estados de consciência que lhes proporcionaram os mais belos sentimentos, pensamentos e ideias. Soube que é na dimensão humana da Vida a fonte de todos os prazeres, a consciência de eternidade e de verdadeira liberdade, onde o medo não pode entrar. O isolamento social não nos coloca numa condição tão adversa como essa vivida por Soljenítsin, porque estamos em nossas casas e juntos com nossos entes queridos. Portanto, temos melhores condições de penetrar profundamente em nós mesmos e descobrirmos com os nossos sentidos interiores, essa dimensão de Vida de onde nos vem a percepção natural da beleza, bondade e justiça. Virtudes que são atributos de nosso Ser, chispa divina que, sendo eterna e livre, não teme a morte e nem sofre com as restrições da personalidade.

Luis Carlos Marques Fonseca, presidente da Nova Acrópole Brasil Norte