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O que é a dimensão humana da Vida?

O filósofo francês René Descartes (1596 – 1650) pronunciou uma frase que ficou famosa e que foi distorcida com o passar do tempo: “Penso, logo sou” (“Cogito ergo sum”, do verbo latino “esse”, que significa prioritariamente “ser”, e não “existir”). Ou seja, aquilo que É comanda o pensamento. Assim, colocava o Ser acima do pensamento. Descartes era considerado um filósofo idealista: a Ideia (mundo do Ser) ilumina o pensamento, dando origem à razão. Com o tempo, a tendência que predominou no iluminismo e continua prevalecendo no mundo atual distorceu essa frase, transformando-a em: “Penso, logo existo”, condicionando a existência ao pensamento, numa espécie de culto ao racionalismo empírico, predominante na metodologia científica atual. No entanto, como esta corrente de pensamento não pôde ignorar a existência, também, dos sentimentos, da energia vital (disposição para agir, para adquirir propriedades, riquezas etc) e das necessidades biológicas (instintos de sobrevivência e procriação), a pergunta “Quem sou?” ganhou um grau alto de complexidade. São várias as alternativas de resposta: sou aquele que pensa ou a minha identidade é o próprio pensamento? Ou sou aquele que sente? Sou aquele que vibra, com disposição e confiança em si mesmo, porque possuo propriedades e riquezas? Sou os meus…

O Símbolo de Gilgamesh – O Homem Que Não Podia Morrer

O tema de hoje, obviamente, estudamo-lo de uma forma técnica na cadeira de Fenomenologia Teológica (Religiões Comparadas da Nova Acrópole). Estudamos as traduções dos rolinhos e tabuinhas sumérias, babilónicas, etc., que esses homens do terceiro e do quarto milénio antes de Cristo nos deixaram. Nesse legado encontrámos referências ao Mito de Gilgamesh. Vamos analisar este mito sob o ponto de vista simbólico e não tão técnico, de maneira a que possa interessar a cada um de nós. Pessoalmente, creio que não só na história dos símbolos, mas também na história dos acontecimentos humanos, o mais importante não é captar a parte técnica ou formal – porque o técnico e formal passa – mas captar o espírito, captar os motores que puderam mover os acontecimentos históricos, quer seja na parte material, económica, política, espiritual. Refiro-me àquela parte que sobrevive em nós como humanidade e que é sempre fresca e atual. Então, Gilgamesh, não vai ser para nós somente aquele gigante sumério filho de Enlil, mas vai ser um símbolo, algo que pode estar em cada um de nós. Gilgamesh é o filho de Enlil e diz-se – segundo todas as parábolas e todas as formas simbólicas – que é esse grande…

A Fortaleza Diante das Dificuldades

Quando se iniciou 2020, não sabíamos ainda o alcance dos momentos difíceis que viveríamos. Ao cabo de pouco tempo, se expandiu uma pandemia que afetou a maioria dos países – senão todos –, demonstrando que, nestes casos, o que consideramos diferenças não existem. Todos somos seres humanos, todos somos vulneráveis à enfermidade, e a dor afeta a todos nós. Diariamente vemos, com assombro e pânico, a quantidade de pessoas afetadas pelo coronavírus, o número crescente de mortos; embora muitos se recuperem, o número dos que morrem é assustador. É tão grande que, às vezes, não vemos mais que números e esquecemos a dor daqueles que se vão na solidão de um hospital ou em lugares piores, na tristeza daqueles que não podem se aproximar nem se despedir de seus seres queridos. Não vemos, por mais que repitam, a entrega incansável daqueles que se esforçam em salvar vidas, em elevar o ânimo daqueles que se sentem desamparados. Verdadeiros modelos de Fortaleza. Evidentemente, são momentos difíceis e, sobretudo, momentos especiais que colocam à prova nossos valores interiores. Saber sofrer não é fácil, mas, se há fortaleza, o sofrimento se converte em uma potência enorme, que desconhecíamos e nem sabíamos que podíamos desenvolver.…

Giordano Bruno, mártir da ignorância humana

Em 27 de janeiro, nasceu Mozart, o compositor; em 17 de fevereiro, morreu Giordano Bruno, o filósofo. Do primeiro, pouco se precisa falar: todos lembram do prodígio que, ao cinco anos de idade, compunha e dava concertos ao piano. Nem todos lembram tanto, porém, do segundo, filósofo condenado à fogueira por heresia e executado em 1600 por afirmar, entre outras coisas, a existência de infinitos mundos, alguns possivelmente habitados, como o nosso, e a eternidade da Alma do Mundo, que se renova ciclicamente sobre a terra, tomando corpo em todos os seres. Ambos dignos de um espaço nobre na admiração e na memória dos homens. Mas gostaria de enlaçar a ambos de uma forma curiosa e inusitada: falando a respeito de um personagem de Mozart, em sua mais famosa ópera, intitulada “A Flauta Mágica”. Bem resumidamente, a simbólica obra fala de um príncipe, nobre e virtuoso, Tamino, que busca conquistar sua alma humana, representada pela princesa Pamina, e o faz após passar por difíceis provas, conduzidas pelo sacerdote Zarastro. Em grande parte de sua jornada, o herói é acompanhado por um humorístico personagem, Papageno, caçador de pássaros que em nada se interessa pela busca da sabedoria ou de mistérios; quer…

Era uma vez um rio

Era uma vez um rio – diz uma velha tradição oriental – que corria mansamente no seu cômodo leito de barro. As suas águas eram turvas e nelas viviam peixes da cor do chumbo que buscavam o seu alimento no lodo. Como era muito pouco profundo, nenhum ser humano ainda se tinha lembrado de fazer uma ponte sobre ele, conformando-se apenas em colocar algumas pedras no seu leito que improvisavam caminhos umidificados pelas lentas águas. Os animais dos bosques vagueavam pelos lugares menos profundos, revolvendo as entranhas do rio com as suas patas. Para beber iam ao lago mais próximo, porque as águas do rio eram escuras e cheiravam mal.

A Estabilidade na Crise

Poderia parecer que a crise que sacode nossa civilização neste momento, em todos os rincões do planeta e em tantas frentes de expressão, é algo próprio de nosso tempo e apresenta uma grandeza excessiva. No entanto, com olhar atento, encontraremos crise em qualquer momento da História, e comprovaremos que os filósofos sempre examinaram seu sentido mais profundo. O uso reiterado e superficial das palavras as faz perder seu valor intrínseco. Hoje se interpreta como crise uma ruptura dolorosa, relacionada com o sofrimento e a perda em geral. Mas o conceito mais genuíno da palavra crise é “mudança”. Às vezes, se trata de uma mudança brusca, que modifica situações de diversas naturezas: materiais, morais, históricas, espirituais. É incomum que em uma crise se modifique somente um aspecto da vida; normalmente, diante de uma virada histórica importante, coincidem muitas mudanças simultaneamente. É preciso construir ou manter a estabilidade em todos os aspectos do ser humano e em todos os fatores que constituem uma civilização.Quanto ao aspecto civilizatório, buscar soluções materiais, quando decaem os valores morais, intelectuais e espirituais, é como preparar um banquete enquanto irrompem vulcões e tormentas ao redor.Com respeito ao aspecto humano, lutar pela preservação da subsistência física, menosprezando a…

Triunfar na Vida

A história é um extraordinário mostruário onde aparecem, como cristais de cores que variam de tonalidade segundo a luz, as diferentes ideias que configuraram os estilos de vida do homem. Cada período tem seus parâmetros e, no caminho incessante da busca, os humanos regem-se por esses modelos, tratando de segui-los e obedecê-los, tanto quanto não fariam com nenhuma outra ideia que proviesse de outra fonte. O comumente aceito é lei e, de acordo com o transcurso dos tempos, há aceitações que têm mais valor do que leis. Assim, em todo momento, o êxito foi uma meta, ainda que nem sempre tenha se considerado o êxito de igual maneira. O que assinalava o triunfo há um século, ou algumas décadas atrás, hoje pode bem parecer uma ideia desfocada e fora de moda, considerando que outras ambições tomaram o lugar das anteriores. Uma só coisa permanece: o desejo de sucesso, a necessidade de triunfar, a vontade de sermos aceitos e levados em consideração pelos demais, ajustando-nos à lei que faz do conjunto – nós e os demais – uma massa coerente na qual não se pode sobressair, nem sequer para encontrar esse sucesso por outros caminhos. As estatísticas ocupam páginas e páginas…

Saúde para a Alma

À medida que cresce no mundo todo o tipo de preocupações; à medida que as condições de sobrevivência tornam-se mais difíceis em muitos países; à medida que aumentam os confrontos pelos motivos mais absurdos, por mais importantes que até pareçam; apesar de tudo isto, aumenta a ansiedade na procura de uma saúde melhor. Claro que esta situação não é assim em todos os lugares da Terra. Como obter uma boa saúde quando em tantos casos quase não existe água nem alimentos, quando terríveis epidemias surgem quase sem saber de onde vêm? Referimos, no geral, aqueles países chamados desenvolvidos, onde também é difícil manter-se economicamente dentro de limites aceitáveis, nos quais, no entanto, a saúde tornou-se numa constante inquietação. E não apenas a saúde, mas também a alimentação. Assusta observar que enquanto centenas de pessoas fazem “malabarismos” para que o dinheiro chegue ao final do mês, existe uma abundância de excesso de peso e obesidade começando pelas crianças. Há quem, em contrapartida, faça da extrema magreza uma moda fascinante. Decididamente, tornamo-nos contraditórios, ou não queremos analisar aquilo que se passa à nossa volta. Vamos à melhor das situações, ou seja, ter a oportunidade de encher a cesta de compras domésticas. Estamos…

Problemas Pessoais no Caminho do Conhecimento de Si Mesmo

Quais são os problemas pessoais que surgem no caminho do conhecimento de si mesmo? Evidentemente, os que afetam a personalidade, compreendendo o conjunto de expressões físicas e vitais, emocionais e mentais. Sem menosprezar a dor de uma doença ou de um problema físico mais ou menos permanente, as circunstâncias emocionais são mais decisivas, ao ponto de serem elas que condicionam o pensamento e até mesmo a disposição física. É sabido que em mais de uma ocasião, um grande desgosto reflete-se de imediato no corpo de uma forma ou outra, enquanto bloqueia a mente para todo o raciocínio lógico e sensato. Porque temos estes problemas pessoais, basicamente emocionais? Por falta de conhecimento dos próprios mecanismos emocionais e, por conseguinte, pela impossibilidade de resolver as situações conflituosas que se apresentem. A nós, todos os humanos que vivemos neste mundo, por uma ou outra razão, apresentam-se-nos dificuldades. É algo lógico se concordarmos com os filósofos clássicos em que a vida se encarrega de nos ensinar a viver. E não é um jogo de palavras. Podemos aprender com experiências e conselhos de outros, podemos estar prevenidos em relação às conjunturas da existência, contudo nada se equipara à prática vital de tudo o que aprendemos.…

Para Onde?

Diz um velho e conhecido aforismo que assim como é embaixo é em cima. Sendo o inverso também válido, assim como é em cima é embaixo ou, o que é igual, o grande e o pequeno contêm semelhanças em sua essência. Isto, e os muitos e variados acontecimentos que os meios de comunicação nos trazem diariamente, levam-me a pensar que entre a Terra e o ser humano há uma relação inegável e que ambos vivem processos semelhantes. Na Terra, coexistem zonas de grandes inundações junto a outras de terríveis secas. Os vulcões se estremecem frequentemente, expelindo lava ou fumaça, enquanto que em alguns outros pontos do planeta restam ainda locais ocultos de extrema beleza, não maltratados pelo vandalismo turístico, nos quais tudo é tranquilidade e silêncio. No Homem existem zonas secas, partes da alma onde, se alguma vez houve flores, hoje não resta nada, porque os sonhos morreram. E também há regiões inundadas por emoções sem controle, ansiedades transbordadas, medos sem limites, correntes ingovernáveis sem nome específico; inundações que nem sempre se restringem ao subconsciente, senão que afloram como forças cegas, impossíveis de dominar. As dores, as ambições e as iras humanas tremem como os vulcões; seus instintos rugem sacudindo…