Uma das muitas doenças – e bastante graves – que aflige o ser humano atual é o intelectualismo.As mesmas coisas podem ser ditas sobre esse mal como vários outros: que ele ataca certos tipos de seres vivos sob certas condições, e que geralmente aparece em certas idades; não é conhecida a causa que os produz, e os remédios aplicados estão em processo de teste com sucessos e fracassos alternados.Como sempre, a doença começa a partir da decomposição de uma das partes do corpo. Quando a mente começa a funcionar sem ordem ou significado, quando as ideias se tornam obsessivas e monopolizadoras, sem dar origem a outra manifestação de vida, essa mente rarefeita sofre de intelectualismo. O que até então constituía o saudável exercício das faculdades mentais – mais ou menos desenvolvidas – transforma-se num desejo desenfreado de acumular cada vez mais dados, de obter cada vez mais cifras, de encontrar uma razão – seja ela qual for – para o inexplicável, de raciocinar o irracional, de desprezar tudo o que não passa pelo crivo do intelecto.Este homem doente está deformado. Sua cabeça cresce desproporcionalmente e todas as suas outras expressões diminuem ao mesmo tempo: o sentimento esfria, a fé enfraquece,…
Um dia, um rei teve um sonho: sentado em seu trono, no salão central do palácio, ao olhar à sua volta, viu que várias raposas entravam e saíam pelas janelas do salão, correndo de um lado para o outro, à sua volta. Assustado, chamou seus áugures e conselheiros e lhes pediu que decifrassem o sonho, mas nenhum deles deu uma resposta que lhe satisfizesse. Mandou, então, que se espalhassem proclamas por todo o reino descrevendo seu sonho e prometendo a recompensa de um saco de moedas de ouro para quem o decifrasse satisfatoriamente. No meio da floresta, um lenhador muito pobre, de nome Ravi, leu o proclama e pensava, sentado em um tronco de árvore, sobre como seria bom se ele soubesse o significado daquele sonho, pois um saco de moedas de ouro o redimiria de sua miséria. Quando assim pensava, pousou um belo e pequeno pássaro colorido próximo dele, no tronco, e lhe falou: “- O que o entristece, Ravi? Gostaria de saber o significado deste sonho do rei?” Ravi se assustou: “- O quê? Um pássaro que fala!” “- Não só falo, como também sei o significado deste sonho, e posso te contar, com a condição de que…
“Certa vez, o mestre pegou um pote, chamou o seu discípulo e colocou algumas pedras, muito grandes, dentro do pote e perguntou ao discípulo: – Está cheio? E o discípulo respondeu: – Sim. O mestre pegou uma sacolinha cheia de pedregulhos, a virou dentro do pote e tornou a perguntar ao seu discípulo: – E agora, o pote está cheio? O discípulo respondeu com firmeza: – Sim, mestre. Desta vez o pote está totalmente cheio. O mestre então pegou uma lata de areia e a derramou dentro do pote, areia preencheu os espaços entre as pedras grandes e os pedregulhos. Após o mestre encher o pote com a areia até o topo, o discípulo afoito disse: – Pronto! Agora acabou mestre, não é possível colocar mais nada neste pote. O mestre respondeu com um sorriso e virou um copo d’água dentro do pote de barro. A água encharcou e saturou a areia. Depois disso, o mestre pegou um novo pote vazio e pediu que o discípulo repetisse a experiência, só que desta vez na ordem inversa dos elementos. O discípulo começou colocando a água, depois areia, depois os pedregulhos e por último tentou colocar as pedras grandes, mas estas já…
Conhecido como o imperador filósofo, desde criança Marco Aurélio se dedicou a buscar a sabedoria através da filosofia. Integrou a corrente do Estoicismo, cujo compromisso era o desenvolvimento de uma moral humana. Moral esta que ajuda a distinguir o que é eterno do que é passageiro; o que é bom, daquilo que se afasta do bem; o justo, do que é injusto. E a partir destas distinções poder fazer melhores escolhas, ter uma vida mais serena e segura. Esta coerência entre os princípios e as ações nos dá poder diante das circunstâncias. Um eixo de sustentação interno que nos garante uma independência dos acontecimentos à nossa volta. Oriundo de uma família nobre, Marco Aurélio nasceu em Roma no ano 121 d.C. Teve várias dificuldades pela posição que ocupava e por querer viver uma vida moral. Seu campo de atuação foi Roma, onde foi preciso lidar com a diversidade de línguas, religiões, invasões, pestes e traições. Ele exercitou sua moral nessas dificuldades que se apresentavam. Assim como Marco Aurélio, também temos nosso campo de atuação, que está na nossa família, trabalho, trânsito, ou seja, no nosso dia a dia. Desde criança, Marco Aurélio demonstrava interesse em valorizar os prazeres da alma…
As relações humanas são fontes de dores e prazer para nós: a convivência é difícil para todo mundo, é um desafio poder se relacionar. A filosofia por trás de Confúcio nos mostra como é possível construirmos pontes em vez de muros, harmonizando nossas relações e tornado a convivência uma experiência evolutiva. Confúcio nasceu na província de Lu, no ano de 551 a.C., e deixou uma filosofia voltada para a civilidade, tratando sobre os protocolos nos relacionamentos humanos. Ele partiu da mentalidade clássica chinesa que ele resgatou em seu período histórico, marcado por muitos combates e divisões. Confúcio ensinava que o ser humano deveria viver para cumprir o seu papel no mundo concreto a fim de estabelecer e refletir a ordem cósmica, a fim de poder espelhar o céu. Todos nós temos o nosso papel, e quando conseguimos cumpri-lo bem, reproduzimos essa ordem cósmica na Terra. Conseguimos isso por meio do tom cerimonial com que tratamos todas as coisas da vida: a palavra certa, o tratamento adequado, a forma com que nos dirigimos às pessoas à nossa volta – para tudo existe um protocolo mais justo. Cada uma das nossas relações exige uma postura interna diferente, e à medida que o…
Ser forte e feliz, apesar das adversidades. Este foi um dos ensinamentos que o filósofo estoico Sêneca nos deixou. Lúcio Aneu Sêneca nasceu no ano 4 a.C., em Córdoba, na Espanha, e faleceu no ano 65 d.C., em Roma. Em linhas gerais, para o estoicismo a ética é um pré-requisito para a felicidade. A vida de Sêneca em Roma pode-se dizer que foi conturbada. Agripina, mãe de Nero, o escolheu para educar seu filho. No entanto, a certa altura, Nero enlouquece, mata a própria mãe, comete muitas barbaridades e condena Sêneca a cometer suicídio. Então, Sêneca corta os pulsos numa banheira com água quente. Apesar das dificuldades enfrentadas ao longo da vida, sua capacidade de reflexão era altíssima. Deixou verdadeiros tesouros para a posteridade em suas obras, a maior parte estruturada em cartas. O foco deste artigo serão as cartas escritas a seu amigo Lucilio, ao seu irmão Galião e a São Paulo, cartas excepcionais focando a questão da felicidade. Extraí p7 pontos dessas cartas, com reflexões que possibilitam a descoberta de um estilo de vida mais natural e mais feliz. Ponto 1 “Devemos suportar com o espírito forte tudo o que, por lei universal, nos é dado a enfrentar”…
A obra “A filosofia como maneira de viver”, onde o filósofo francês, Pierre Hadot, falecido em 2010, compartilha seu pensamento sobre a necessidade de retomarmos a filosofia como forma de vida, traz ensinamentos valiosos para os nossos tempos atuais: a filosofia como conselheira para o bem viver e como forma de encontrar um sentido maior para a vida, a partir de uma mística própria e lógica, não necessariamente religiosa, embora tenha tido as primeiras influências enquanto sacerdote. Tomando como base pensadores como Platão, Aristóteles, os neoplatônicos (Plotino) e os estoicos (Marco Aurélio) e ainda Immanuel Kant, São João da Cruz e São Tomás de Aquino, Hadot conta, a partir de sua experiência, como a filosofia é uma ferramenta útil para responder às questões da vida. Principalmente nos tempos atuais em que vivemos. A mística nasceu na filosofia e depois foi integrada à religiosidade porque o objetivo da filosofia sempre foi transcender a banalidade, a visão comum do mundo. A filosofia antiga, segundo ele, não era “uma pura teoria, mas um modo de vida para promover o progresso espiritual e a transformação interior”, que nos permite aprender a ver as coisas sem nos projetarmos nelas, sem nossos pré-conceitos e medos, com…
Há uma pergunta que, silenciosamente ou em voz alta, costumamos nos formular várias vezes por dia, muitas, demasiadas vezes na vida. Por que os homens sofrem? Por que existe a dor? Esta pergunta assinala uma realidade, da qual nos é impossível escapar. Todos sofrem; por uma ou outra razão, todos sangram em seu coração e tentam inutilmente apressar uma felicidade concebida como uma sucessão ininterrupta de prazeres e satisfações. Lembro-me de uma parábola do budismo que sempre me impressionou; aparece nos livros sob o nome de “O grão de mostarda”. E, em síntese, reflete a dor de uma mãe que perdeu seu filho e que, no entanto, espera voltar a vê-lo em vida graças às artes mágicas do Buda. Este não desanima a mãe. Apenas lhe pede que, para ressuscitar seu filho lhe consiga um grão de mostarda obtido de uma lar onde não se conheça a desgraça… O final da parábola é evidente: o grão de mostarda, esse grão tão especial, jamais aparecerá, e a dor da mãe se verá mitigado, em parte, ao comprovar quantos e quão grandes são também os sofrimentos de todos os demais seres humanos. Porém, o fato de que todos os homens sofram, não…
No livro, A República, de Platão, e em As Leis, de uma maneira mais extensa, este problema da educação está talvez melhor definido. Quando o livro começa, com os caminhantes que vão marchando em direção ao templo de Zeus Olímpico, diz-se que a melhor forma de educar é mediante a Ginástica e mediante a Música. Obviamente, quando escutamos as palavras “ginástica” e “música” hoje fazemos, sob o nosso ponto de vista, uma imagem um tanto falsa. Ao pensar em ginástica imaginamos jogos de tipo físico: levantamento de pesos, boxe, dardo; quando pensamos em música, pensamos em tocar guitarra ou cítara ou o que fosse. Não é exatamente o que os gregos pretendiam ou o que Platão queria expressar. Ele falava da Ginástica -de gymnós, nudez- como de uma aptidão especial nos jovens, os quais podiam desenvolver toda a sua pureza no sentido físico de descontaminação. Platão recomenda separar as gerações – e isso foi muito discutido-, não concorda que os jovens sejam educados pelos pais; Platão propõe em A república que só durante cinco anos -no chamado gineceu- as crianças estejam a cargo dos seus pais, e que logo têm que passar às mãos dos paidagogoi, ou seja, os pedagogos…
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