A Poesia tem sido a linguagem mais usada para falar de algo misterioso, algo que transcende o cotidiano, que nos leva a navegar nas alturas ou no interior de nossa alma. Quando a linguagem do cotidiano ou a linguagem técnica limitam nossa expressão, criamos uma forma mais bela, ou mais gentil, ou mesmo mais inusitada, para acentuar a carga emocional que queremos colocar na mensagem.
Muitos assuntos transcendentes da Humanidade, leis morais, doutrinas religiosas, livros sagrados, têm sido escrito em versos ritmados, não só para ficarem mais belos, mas também para facilitar sua transmissão, pois antes da invenção da escrita, tinham que ser memorizados para não se perderem e chegarem às gerações futuras.
Muitos poetas souberam enriquecer suas reflexões sobre a Vida, sobre o Homem, sobre Deus e os Mistérios através de imagens, sons, símbolos, comparações, tornando a forma tão importante para a mensagem que a simples tradução dessa forma empobrece o conteúdo da mensagem.
É como se o mensageiro, descontente com a linguagem comum, buscasse em seu íntimo outra linguagem, própria da alma, da sua essência, para se expressar.
Veremos como uma imagem poética pode nos levar a uma compreensão profunda de algo, que uma descrição literal jamais alcançaria.
A poesia pode nos mostrar uma Beleza oculta que os olhos da razão não veriam, mas os olhos da alma reconhecem.
Pode nos inspirar a tomar atitudes que estavam latentes, sem força para fluir. Um verso pode despertar aquela potência interior adormecida.
Que tal embarcar nessa viagem ao centro de nossa alma?
- A Poesia como Expressão da Alma
- A Linguagem Poética e a expressão dos sentimentos
Quando queremos expressar um sentimento, podemos buscar, no dicionário, vários sinônimos, significados, descrições literais para aquele sentimento. Mas se um poeta o descreve, a alma compreende:
Por exemplo: “vive em jejum de fé” , um verso de Amado Nervo. Jejum é algo substancial, mas jejum de fé traduz um vazio interior, um vazio da alma.
Sorriso interior é o título de uma poesia de Cruz e Souza. O sorriso sugere uma boca para o mundo exterior, mas interior transporta para algo interno: é a alma sorrindo!
- A Arte de Comunicar sentimentos através de versos
Muitos poemas são até hoje usados como declaração de amor: eles preparam a alma para seu encontro.
“Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.”
(As Sem-Razões do Amor de Carlos Drumond de Andrade)
“Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
Cujo valor se ignora, lá na altura.”
(Soneto, de Shakespeare)
“Tudo que é doce, humilde, simples, vivo,
brota no coração de quem a escuta,pois que, antes de ouvi-la, a viu, feliz.
Basta um sorriso: o coração cativo
não sabe mais o que a mente perscruta,
pois tudo o que a supera ela não diz.”
Estando em terra, chego ao Céu voando;
Numa hora acho mil anos, e é jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.
Se me pergunta alguém por que assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.
(Francisco Petrarca)
- O Papel da Poesia na transmissão de experiências humanas.
Quantas sagas foram transmitidas em versos: Ilíada, sobre a guerra de Tróia, Odisseia, com a saga de Ulisses após a mesma guerra, Eneida, sobre a origem mítica de Roma. Quantos fatos históricos foram descritos em versos, alguns depois musicados, pois o ritmo presente nos poemas favorece sua musicalização.
“O homem canta-me, ó Musa, o multifacetado,
que muitos males padeceu, depois de arrasar Troia, cidadela sacra.
Via cidades e conheceu costumes de muitos mortais.
No mar, inúmeras dores feriram-lhe o coração,
empenhado em salvar a vida e garantir o regresso dos companheiros. “
“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heroico o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.”
(Hino Nacional Brasileiro, de Francisco Manuel da Silva)
- A Influência transformadora das poesias
- O poder da palavra poética na transformação interior
Uma poesia que nos motiva a agir:
“Das sementes surge a primavera,
frágil donzela, ao despertar comanda
um divino exército de flores e ordena:
Renasce, levanta-te, anda!”
(Primavera, de Gerson Miranda)
- A poesia como agente de reflexão e mudança
Ao longo dos séculos, muitos poetas tiveram um papel importante na transformação da sociedade. Exemplos: abolicionistas, defensores de direitos humanos, das liberdades individuais.
“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro… ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!…
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!”
(O Navio Negreiro, de Castro Alves)
- Inspiração e motivação através dos versos
Quantos movimentos foram inspirados por versos:
“Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha…
Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!
Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!”
(A Pátria, de Olavo Bilac)
“Faz do sono da noite
a hora da revelação divina.
Abraça o dom de Deus
– torna-te templo, sê o templo!
Os pensamentos só te levam aonde lhes apetece.
Queres segui-los?
Melhor é seguir teu destino
– torna-te guia, sê teu próprio guia!”
(Torna-te amante, de Rumi)
- Encontrando inspiração na poesia cotidiana
- Descobrindo a beleza poética nas pequenas coisas
“Com a mesma plenitude me encanta
a boca de uma mãe quando ela reza
e a boca da criança quando canta”
(Êxtase, de Amado Nervo)
- Observando a vida com olhos poéticos
“Cada rosa gentil ontem nascida
Cada aurora que aponta um rubro raiar
Deixam minha alma em êxtase, absorvida”
(Êxtase, de Amado Nervo)
“Momento de maturidade, luz dourada,
safra colhida, há que extrair o grão,
que voltará à terra na estação
em que se brinda a vida, renovada.
Logo virá a noite, e a vida hiberna,
e a lei dos ciclos cumpre seu caminho,
que vai da vida dual à vida eterna,
qual frágil uva ao persistente vinho.”
(Outono, de Lucia Helena Galvão)
- Como incorporar a poesia na rotina diária
Uma boa dica é escolher uma poesia e memorizá-la, para tirá-la do cofre na ocasião certa. Estas me acompanham no meu dia a dia, me ajudam a valorizar momentos e a vencer algumas circunstâncias adversas.
- Ao despertar: Saudação à Alvorada, de Kalidasa
“Cuida deste dia!
Ele é a vida, a própria essência da vida,
Em seu breve curso
Estão todas as verdades e realidades da tua existência:
A benção do crescimento
A glória da ação,
O esplendor da realização.
Pois o dia de ontem não é senão um sonho
E o amanhã somente uma visão..
Mas o dia de hoje bem vivido transforma os dias de ontem num sonho de ventura.
E os dias de amanhã numa visão de esperança.
Cuida bem, pois, do dia de HOJE!”
- Quando a Vida me convoca: O Prazer de Servir, de Gabriela Mistral
“Toda a natureza é um desejo de serviço.
Serve a nuvem, serve o vento, serve o sulco na terra.
Onde haja uma árvore que plantar, planta-a tu; onde haja um erro a corrigir, corrige-o tu;
onde haja uma tarefa que todos recusam, aceita-a tu.
Sê o que afasta a pedra do caminho, o ódio dos corações, as dificuldades dos problemas.
Há a alegria de ser são e a de ser justo, mas há, sobretudo, a formosa, a imensa alegria de servir.
Que triste seria o mundo se tudo já estivesse feito, se não houvesse um roseiral para plantar, uma atitude para tomar!
Que não te atraiam somente os trabalhos fáceis.
É tão belo fazer as tarefas que outros recusam!
Mas não caias no erro de que só se conquistam méritos com grandes trabalhos,
há pequenos serviços que são bons serviços:
arrumar uma mesa, arrumar uns livros, pentear uma criança.
Aquele é o que critica, esse é o que destrói.
Sê tu o que serve.
O servir não é tarefa só de seres inferiores.
Deus, que dá o fruto e a luz, serve.
Poder-se-ia chamá-lo assim: Aquele que serve.
E Ele, que tem os olhos fixos em nossas mãos, nos pergunta todo dia:
“Serviste hoje? A quem? À árvore, a teu amigo, à tua mãe?””
- Nas provas da Vida: Confiança, de Lucia Helena Galvão
“Confio em Deus, no Dharma e nos Mistérios.
Ante minha alma, essa confiança empenho.
Como um guerreiro que depõe suas armas,
Aos pés do Dharma e do Mistério, eis o que tenho.
Se pouco ou muito, é relativo e pouco importa,
Importa pouco o nome sob o qual eu vivo,
Nomes que a tantos só mantêm cativos
de nomes vivos e esperanças mortas.
Importa muito o Nome ante o qual eu venho,
Nome impossível de expressar em língua morta,
Nome deserto de conceitos e limites
Claro Oceano, luminoso e ermo
Que põe um termo ao caminhar humano.
Suave canção que, no silêncio, a alma entoa,
Suave convite a atravessar o umbral, a porta,
Desvencilhando o que pesa do que voa,
E libertando a alma do homem de seu nome,
Fazendo-a célula do Mistério e da Lei.
Se algo valesse o que sou e o que sei,
Eu te diria agora: entrega o teu nome.
Entrega a máscara em nome do que és,
e espera em paz a luz que vem tocar teu rosto,
a luz da Lei que te coroa, em tua luta.
Faze-o agora, antes que a noite se acentue,
E obstrua o ímpeto da alvorada.
E então, em paz, sem dissidências ou disputas,
Desfruta o gosto de ser Todo, e não ser nada.”
- Diante de um inimigo: Se um espinho me fere, de Amado Nervo
“Se um espinho me fere, me afasto do espinho,
…mas não me aborreço! Quando a maldade
invejosa crava em mim os dardos de seu veneno mesquinho,
esquiva-se em silêncio minha planta, e segue caminho,
até ambiente mais puro de amor e caridade.
Rancores? De que servem! O que logram os rancores!
Nem restauram feridas, nem corrigem o mal.
Meu roseiral tem apenas tempo para dar flores,
e não produzir seiva nem espetos provocadores:
se meu inimigo passa em volta de meu roseiral,
levará as rosas de mais sutil essência;
e se notar nelas algum vermelho vivaz,
será daquele sangue que sua truculência
de ontem, verteu, ao ferir-me com amargor e violência,
e que o roseiral devolve, transformada em flor de paz!”
- Momento de oração: A Prece, de Fernando Pessoa
“Senhor, que es o céu e a terra, que és a vida e a morte!
O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!
Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também.
Onde nada está tu habitas e onde tudo está – (o teu templo) – eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e alma para te amar.
Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra,
ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu.
Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos
nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos.
Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.
Minha vida seja digna da tua presença.
Meu corpo seja digno da terra, tua cama.
Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim;
e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim;
e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me.
Dá-me que eu me sinta teu.
Senhor, livra-me de mim.”
- Um herói para me inspirar: Quixote, de minha autoria
Tão frágil, com a força da imaginação
Destrói moinhos de medo e covardia,
Com sua espada, expulsa a apatia,
Constrói um mundo de inovada razão.
Escudeiro da honra e do saber,
Sua bravura reside em sua lei,
Não a dos homens, que procuram num rei,
Satisfazer seu instinto de poder,
Mas a que busca, na virtude, o prazer
De ser, em vida, digno de sua dama,
E que eleva o espírito em chama,
Quando, na morte, aguarda o renascer.
Seu desafio: vencer o inimigo
Que tenta tragá-lo de volta ao real,
Mas a estrela, que o guia ao ideal,
O protege da dor e do perigo.
És um símbolo, um herói, um mito?
És a realidade que procuro.
Tua coragem e crença no futuro
É que inspiram meu ser infinito.
- Poesia como ferramenta de autoconhecimento
- A poesia como espelho da alma individual
“Poeta tem que ter humildade
Ter cuidado com a vaidade
Saber que Deus é o Poeta de verdade
..
Foi em silêncio que Deus plantou o amor.
É no silêncio que Ele o faz crescer.
É no silêncio que se faz Poesia.
Escutando o que Deus tem a dizer.”
(Receita, Wilson Trannin)
- Explorando os sentimentos e emoções através dos versos
“Deus te livre, poeta,
de escrever uma estrofe que entristece;
de turvar com o teu cenho
e a tua lógica triste
a lógica divina de um sonho;”
Deus te livre, poeta, Amado Nervo
- A jornada de autodescoberta na leitura e escrita poética
“Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.”
(O apanhador de desperdícios, de Manoel de Barros)
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.”
(Deus disse, de Manoel de Barros)
“Senhor, concedei-me a Poesia…
Sem ela, as cores se afastam,
e a vida que resta é tão fria…
E o coração já duvida,
e o tempo é convertido em nada,
e a alma se cala, sombria,
e o fio se perde, na espada.”
(Prece pela Poesia, Lucia Helena Galvão)
5. Poemas sobre a vida, uma jornada da alma para refletir
- Poema sobre a vida: Em Paz, de Amado Nervo
Perto do meu ocaso, eu te bendigo, ó Vida,
porque nunca me deste esperança falida
nem trabalhos injustos, nem pena imerecida.
Porque vejo no fim de meu rude caminho
que fui eu o arquiteto de meu próprio destino;
que se os méis ou o fel eu extraí das cousas
foi que nelas pus mel ou biles amargosas:
quando plantei roseiras, não colhi senão rosas.
Às minhas louçanias vai suceder o inverno;
mas tu não me disseste que maio fosse eterno!
Julguei sem fim as longas noites de minhas penas;
mas não me prometeste noites boas apenas,
e, afinal, tive algumas santamente serenas…
Amei e fui amado, o sol beijou-me a face.
Vida, nada me deves! Vida, estamos em paz!
- Prosa poética Sobre a morte, de Khalil Gibran
“Quereis conhecer o segredo da morte.
Mas como podereis descobri-lo se não o procurardes no coração da vida?
A coruja, cujos olhos, feitos para a noite, são velados ao dia, não pode descortinar o mistério da luz.
Se quereis realmente contemplar o espírito da morte, abri amplamente as portas do vosso coração ao corpo da vida. Pois a vida e a morte são uma e a mesma coisa, como o rio e o mar são uma e a mesma coisa.”
- Poema sobre o tempo: O tempo passa?, de Carlos Drumond de Andrade
“O tempo passa ? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.
O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.
Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.”
São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.
E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.”
– Conclusão
Espero que esta seleção de versos, poemas e prosas poéticas possa ajudá-lo a ter um olhar mais atento à beleza da Vida, a despertar a curiosidade pelos seus Mistérios e, principalmente, motivá-lo a embarcar na jornada de auto-conhecimento e expansão da Vida.
– Enila Freitas