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A Dor

Há uma pergunta que, silenciosamente ou em voz alta, costumamos nos formular várias vezes por dia, muitas, demasiadas vezes na vida. Por que os homens sofrem? Por que existe a dor? Esta pergunta assinala uma realidade, da qual nos é impossível escapar. Todos sofrem; por uma ou outra razão, todos sangram em seu coração e tentam inutilmente apressar uma felicidade concebida como uma sucessão ininterrupta de prazeres e satisfações. Lembro-me de uma parábola do budismo que sempre me impressionou; aparece nos livros sob o nome de “O grão de mostarda”. E, em síntese, reflete a dor de uma mãe que perdeu seu filho e que, no entanto, espera voltar a vê-lo em vida graças às artes mágicas do Buda. Este não desanima a mãe. Apenas lhe pede que, para ressuscitar seu filho lhe consiga um grão de mostarda obtido de uma lar onde não se conheça a desgraça… O final da parábola é evidente: o grão de mostarda, esse grão tão especial, jamais aparecerá, e a dor da mãe se verá mitigado, em parte, ao comprovar quantos e quão grandes são também os sofrimentos de todos os demais seres humanos.  Porém, o fato de que todos os homens sofram, não…

A Educação Segundo Platão

No livro, A República, de Platão, e em As Leis, de uma maneira mais extensa, este problema da educação está talvez melhor definido. Quando o livro começa, com os caminhantes que vão marchando em direção ao templo de Zeus Olímpico, diz-se que a melhor forma de educar é mediante a Ginástica e mediante a Música. Obviamente, quando escutamos as palavras “ginástica” e “música” hoje fazemos, sob o nosso ponto de vista, uma imagem um tanto falsa. Ao pensar em ginástica imaginamos jogos de tipo físico: levantamento de pesos, boxe, dardo; quando pensamos em música, pensamos em tocar guitarra ou cítara ou o que fosse. Não é exatamente o que os gregos pretendiam ou o que Platão queria expressar. Ele falava da Ginástica -de gymnós, nudez- como de uma aptidão especial nos jovens, os quais podiam desenvolver toda a sua pureza no sentido físico de descontaminação. Platão recomenda separar as gerações – e isso foi muito discutido-, não concorda que os jovens sejam educados pelos pais; Platão propõe em A república que só durante cinco anos -no chamado gineceu- as crianças estejam a cargo dos seus pais, e que logo têm que passar às mãos dos paidagogoi, ou seja, os pedagogos…

Tanta pressa…

Mais uma manhã, tarde e noite, indo e voltando, com carros que passam voando por mim. Um dia, minha filha me falou que as pessoas deveriam colocar o número do seu celular no vidro… “- Para quê, minha filha?”, perguntei, sem captar o tom levemente irônico na voz: “- Para ligarmos e sabermos se deu tempo, mãe! Deve ser muito urgente o que ele vai fazer!” É verdade; deve ser mais do que urgente: deve ser desesperador. Sem bairrismos, Brasília deve ter alguns dos mais belos amanheceres e crepúsculos do mundo; sempre se pode ouvir algum sabiá dobrando o trinado, pelo caminho; sempre se vê algum cãozinho desocupado rebolando de barriga para cima na grama úmida (deve ser muito bom, isso!). Mas nós….temos pressa. Não vou aqui delinear o óbvio, que todos já preveem: a maioria absoluta não tem pressa nenhuma. Correm para a televisão, para a mecanicidade, para o sono, para a solidão. Não há alvo a alcançar com essa correria; em geral, nada que seja urgente ou que tenhamos sabido tornar importante. Depois de anos sem entender e nem mesmo me perguntar pelas razões disso, acabei convidada, pelas circunstâncias, a uma resposta. Numa estrada vazia, um caminhão seguia…

O medo e as Etapas da Vida

Vivemos no mundo do laser, dos aceleradores de partículas, da transmissão de imagens por satélite, dos grandes computadores e dos microchips, e de outras muitas coisas tão particulares desta época.  Mas, ao mesmo tempo, vivemos com nossos desejos, paixões, defeitos e virtudes, com nossos medos universais e atemporais, próprios de todo ser humano e de toda época.  É certo que cada tempo tem seu próprio medo, com os nórdicos temiam – quando o céu era Céu – que o Céu desabasse sobre sua cabeça, ou como o homem medieval temia atravessar os bosques à noite ou navegar nos oceanos por temor a bruxas, dragões e abismos, ou como o atribulado pacifista de agora teme que algum louco aperte o botão vermelho.  No entanto, há medos de sempre que parecem fazer parte do ser humano e de sua bagagem psicogenética; acompanham o ser humano do berço à sepultura, durante toda sua existência, em todas as estações de sua vida. Assim, parece que as idades cronológicas participam mais do que acreditamos dos processos de natureza psicomental relacionados com o medo.  Infância, adolescência. Medo da realidade É óbvio que a criança vive em uma realidade diferente, em que um pedaço de pau pode…

O suco de laranja de um filósofo

N. Sri Ram, um grande filósofo do século passado, possui um conceito sobre a memória que, às vezes, se torna um tanto difícil de explicar, tendo em vista nossos valores atuais. Um dia desses, ao preparar um suco de laranja, pensava sobre isso.  Extrai-se o sumo de diversas laranjas, e a quantidade de cascas e bagaço é bem grande. Imaginei a seguinte situação: que o consumo deste suco fizesse bem à vista, e que, ao consumi-lo e ver melhor o mundo à minha volta, me sentisse grata àquelas cascas e bagaços, e quisesse levá-los comigo… Num dado momento, o fardo de arrastá-los seria tão grande que chegaria a neutralizar ou superar os benefícios da amplitude de visão trazido por este sumo… Assim ocorre com a memória dos fatos: seu “sumo”, o aprendizado, apura nossa visão interna, gerando sabedoria, capacidade de resposta humana à vida; isso, essa parcela válida do passado, integra o que sou agora, no presente, sem ter de recorrer ao contexto do qual a extraí. Não necessito de nenhum tempo, senão deste tempo, em que estou de corpo e alma, e no qual o passado está incorporado e sintetizado naquilo que sou. Arrastar um fardo de cascas secas…